Empresas familiares são a maioria no Brasil. Segundo estudo realizado nos últimos anos pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), elas chegam a 90% do total, desempenhando importante papel no desenvolvimento do País.

De acordo com Domingos Ricca, sócio da Ricca & Associados, empresa de consultoria e treinamento especializada em negócios de família, a empresa familiar tem uma interessante vantagem, uma vez que a força de sua cultura e o envolvimento familiar lhe confere importante diferenciação de seus concorrentes. “Com a força da cultura e dos valores da empresa familiar, ela coloca no mercado uma credibilidade muito grande, é reconhecida pelo nome e sobrenome do fundador, tem relevância na localidade e, pela liderança do empreendedor, gera uma fidelidade grande de seus colaboradores”, explica. Para o especialista, o desafio é que as gerações futuras consigam manter este diferencial.

Mesmo que dominem o mercado nacional, as empresas que têm a família como base enfrentam alguns problemas, especialmente em relação à condução do negócio familiar e o momento da sucessão. “As questões que envolvem profissionalização de uma empresa familiar são os pontos mais delicados desse tipo de organização”, adiciona Ricca, que explica que tais questões envolvem a entrada sem critérios de parentes na empresa, falta de qualificação de sucessores que assumem a gestão do negócio, mas, principalmente, disputas pelo poder. Assim, para manter o negócio da família, o consultor destaca que é necessário determinar regras de conduta, além de promover a formação de sucessores que tenham o perfil do cargo de gestão a ser assumido, assim como o vínculo com a cultura e os valores da empresa familiar. “Com regras bem definidas e implantadas efetivamente, os problemas diminuem significativamente.”

De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de cada 100 empresas familiares no Brasil, apenas 30 sobrevivem à segunda geração, 15 à terceira e quatro à quarta. Ricca afirma que, na maioria das vezes, o que está em jogo é a questão do poder, e não problemas financeiros. “Nesses casos, como em muitos outros, é necessária a ação de um especialista para colocar os problemas em seu ângulo devido, estudá-los e, em conjunto com os membros da empresa, procurar resolvê-los”, afirma.

Conflitos

Segundo pesquisa realizada pela PricewaterhouseCoopers (PwC), em 2012, 49% dos brasileiros estão apreensivos com a transferência do negócio para próxima geração, e 14% já preveem possível conflito familiar. Ainda de acordo com o levantamento, 31% dos empresários brasileiros têm pretensão de passar tanto a propriedade quanto a gestão dos negócios para a próxima geração, ao passo que 59% pretendem transmitir o negócio aos sucessores, mas planejam trazer gerentes profissionais. Achando que os herdeiros não querem levar o negócio adiante ou que são muito jovens ou ainda que não possuem as competências necessárias, 7% dos brasileiros responderam que devem vender a empresa ou abrir o capital.

Independentemente da escolha feita, o momento de transição raramente é simples e acaba sendo uma das fontes mais comuns de conflito, tanto na família como nos negócios. No Brasil, ainda segundo o estudo da PwC, algumas medidas são adotadas para lidar com conflitos ou questões envolvendo membros da família, entre elas estão a procura por acordo de acionistas (72%), conselho de família (63%), planos para casos de morte ou incapacidade (54%), provisão para entrada e saída (53%), medição e avaliação de desempenho (49%), constituição da família (45%) e mediador externo (44%).

De acordo com Ricca, alguns fatores podem ser apontados como cruciais para uma boa sucessão: a seleção e o treinamento do sucessor, o planejamento estratégico da sucessão, a experiência profissional prévia do sucessor na empresa e o envolvimento do fundador no planejamento sucessório – além de seu papel de mentor. A preparação do sucessor, ainda segundo o especialista, não deve fazer dele um teórico, mas a sua capacidade prática também precisa ser exercitada constantemente, fazendo com que ele participe da execução e das decisões com o acompanhamento e apoio dos fundadores. Outra questão importante é a formalização dos critérios utilizados para a escolha do sucessor e por quanto tempo ele deverá se qualificar para o cargo que irá ocupar. “A melhor maneira de realizar tal qualificação é por meio de ações vinculadas à Governança Corporativa”, afirma Ricca.

Para o consultor em gestão empresarial Marcelo Camorim, a criação de um Conselho Consultivo com membros da família, que agiria fiscalizando a ação de um gerente de mercado, pode ser uma das melhores soluções. De acordo com Camorim, a ação da Governança Corporativa, seja por meio da criação do Conselho ou de Acordo de Acionistas – um instrumento homologado em cartório e vinculado ao contrato social -, pode evitar conflitos familiares, de interesses pessoais, problemas na transparência e até mesmo falta de estrutura para perenizar a companhia. “Uma vez implantada a Governança Corporativa, os excessos e as informalidades são reduzidos”, explica Camorim. E Ricca acrescenta: “A empresa não fica suscetível aos conflitos familiares, pois o Acordo resguarda a organização.”

Governança Corporativa

Na tentativa de evitar e diminuir os conflitos na empresa, além de contribuir para a longevidade de organizações, fala-se em Governança Corporativa. Fundamentada em quatro princípios – transparência, equidade, prestação de contas e responsabilidade corporativa -, a Governança contribui com o comportamento dos administradores alinhado ao melhor interesse da empresa e de todos os seus sócios e demais partes interessadas. “Em termos práticos, é um sistema de gestão que traz transparência para os acionistas e para o mercado”, resume Camorim.

Domingos Ricca explica que a Governança Corporativa é um sistema de regras que vão nortear a conduta dos gestores, as estratégias organizacionais, além de inclusão de normas para compras e vendas de quotas, avais, entradas de parentes, morte prematura (condições que definem a abrangência dos direitos do cônjuge) e  fusões e aquisições. “É um grande instrumento para preservar a empresa para as próximas gerações”, acrescenta. Ele ainda destaca que as ações da Governança Corporativa são fundamentais para as empresas familiares, pois, segundo o especialista, “adota-se na organização práticas de prestação de contas e regras rígidas de conduta, que minimizam disputas e conflitos entre parentes.”

Já Amorim ressalta que ao passo em que uma empresa vai crescendo, também cresce a importância da Governança Corporativa, e é categórico ao afirmar que a Governança é um sistema que veio para ficar. “Não é modismo. O mercado está exigindo isso!” Para o conselheiro de administração do Instituto Brasileiro de Governança Corportativa (IBCG), Robert Juenemann, “a Governança Corporativa é para empresas de qualquer porte”, além de não se aplica apenas a empresas familiares. O que pode mudar de uma para outras são as ações desenvolvidas. Juenemann destaca ainda que não é só o dirigente de uma empresa que pode procurar por ajuda. “Muitas vezes, é ele (o dirigente) que precisa de ajuda”, ressalta o conselheiro.